Jequitibá rosa - SJCampos
Tentando arrancar da alma, a aflição, sou poço fundo de angústias como se houvera dentro do meu peito uma mão que aperta o timo, eu escrevo.
Tenho um coração ardido de urgências que não defino, cuja única poesia é não querer viver de vésperas e o passado, que tentou imiscuir-se no meu presente foi escorraçado pela desesperança e levado de volta ao seu tempo, no começo de mim.
Minhas memórias falseavam, já que memórias são mentirosas. Então desertei delas.
Com a memória é assim, e também com a verdade.
Nenhuma delas é absoluta.
As minhas verdades são apenas minhas, assim como minhas lembranças (que resolvi abdicar), sendo que a partir de hoje meu passado habita seu devido lugar.
E no presente do indicativo, que é apenas um tempo verbal que define o meu agora, preciso apenas conseguir domar a fera que me reside e me corrói, de forma tal que me desafia encontrar sentido na vida.
Preciso reencontrar a vontade de viver, e vontade de viver não se compra em farmácias, bares, lojas de sapatos ou em lugar nenhum que eu tenha conhecimento.
Vontade é um querer bem forte, mas é coisa impalpável, assim como o amor.
Não se obriga o amor e não se mata o amor.
O amor brota aleatoriamente, num canteiro inesperado dentro da alma das pessoas. É um estabelecer-se sem domínio, sem domesticidade, sem prisão. Não há que se amarrar ou libertar o amor. Ele é por si só o que é.
E acontece exatamente assim com a vontade de viver.
Resta semear e ter uma esperança muito grande (que se chama fé), que a semente vingue. Regar ajuda...
Germinar ou não é obra do acaso ou de uma força alheia a nossa compreensão.
A despeito da minha insuficiência de vontade, ainda percebo a grandeza e a beleza de estar viva. Percebo a benção em poder me levantar, respirar, seguir a vida, e a vida em si é uma dádiva. Eu bem sei.
Mas quem há de curar-me esse sentimento desnecessário de aflitudes e descasos que carrego do meu lado de dentro? O que será que me falta para que esse desgosto ingrato deixe meu peito em paz?
Não é melancolia, nem é tristeza. Já até pensei que fosse, mas não é.
Não, não é, depressão, nem doença, nem dor física.
Não é nada compreensivelmente traduzido por inclemências sensatas e analíticas.
É só uma desmesurada ausência de esperança. É um buraco negro que anda a engolir-me os sonhos, as expectativa, e a fé.
Ai a fé...
Essa força misteriosa que habita as almas mais felizes ou resignadas.
Hoje eu estou que é um desencanto só, e por falar em desencanto, nem minha voz é a mesma, nem meu canto... Daí meus olhos se entristecem ainda mais ao ver minha figura assim tão fragilmente acuada.
E meu coração...
Está este tão cansado de andar por aqui há tanto tempo, que tenho a sensação de ser secular, como o Jequitibá rosa solitário que resiste corajosamente pela metade no horizonte da minha cidade.
Resta-me ao menos o indiscutível prazer de escrever.
Fazer poemas me mantém viva e por isso, não me importa caso meus versos sejam anódinos, e por ser questão de sobrevivência, continuo.
Escrevo, escrevo e escrevo, numa desesperada tentativa de desopilar o peito, de lavar a alma, de aniquilar essa dor que não passa e a despeito dessa imensidão de ausências que me habita, a poesia ainda me alimenta.
Viver é uma ciência, mas querer viver é a verdadeira arte.
36 comentários:
Venha tomar um café aqui em Sampa para batermos um papo ... beijo grande.
E o meu sentir ao ler as suas delicadas palavras, resume-se em: "Viver é uma ciência, mas querer viver é a verdadeira arte."
Lindo demais...
Beijos
Ela, que não costuma falhar, não deve ser abandonada. Entenda, não aquela das pessoas resignadas, mas sim aquela das pessoas que quando não estão felizes, o dizem, escrevem, esperneiam, brigam, choram, gritam mas, independente do desencanto, do desgosto, do cansaço, mantém-na firme e ela, e só ela, indicará a saída desse ciclo de doloroso aprendizado, temo que através dela, minha querida, este blog vai perder parte da poesia que voltará ao lugar de onde não deveria ter saido, voltará à sua vida. Esse é meu voto.
Tenho rasgado fotos(minhas) antigas.Tem sido bom.
Berzé
ross,
esse texto não te pertence mais. é patrimônio de todos aqueles que morrem de sede em frente ao mar.
ressoou forte por aqui.
vida é luta!
beijos...
Fouad falou bem.
E eu te pergunto, onde viu parte da minha alminha perdida por aí? Vc a encontra, e escreve aqui por nós, e me faz sorrir, apesar de aqui compartilharmos tantas dores.
Obrigada por isso.
Beijo.
Lindo, lindo, Rossana!
Identifiquei-me enormemente com seu texto!
Além da arte expressa na escrita, ainda encontrei nas linhas todas , um conteúdo que tem tudo a ver comigo...
Pense, querida: aos sessenta e seis anos, tenho muito passado querendo interferir num presente que já não é mais nunhuma brastemp.
Sinceramente, : sem a poesia, eu não sei, realmente, o que seria de mim.
Adorei !
Abraço bem forte!
Quanto mais velhos nos tornamos, mais reconhecemos que não há outra aventura que valha mais a pena do que a própria vida, disse um poeta. Nem mais nenhuma possibilidade de consolo do que a de administrar o próprio desejo e - porque não? - o próprio fracasso.
Saberás encontrar o teu caminho, poeta.
Beijo terno.
Sei o quanto um coração ardido de urgência aperta o peito. O meu é assim; danado! Sempre me aperta... me abraça... me beija até quando não quero ser beijado!
↓
...e eu aqui,
só desenhando,
esperando que a ARTE me separe da VIDA!
:o)
A profundidade
que escapa
entre os vãos
dos dedos
gera outro
tempo
e outro
universo
...
Belíssimo.
beijo carinhoso.
Flávio, você é um querido!
bj
Eu acredito piamente nisso, Suzana.
Grata por vir.
bj
Grã, acho que não entendi direito.
Mesmo assim, gosto muito quando vem.
bj
Berze,
Vou tentar essa terapia...
:)
bj
Como eu sei disso, menino Fouad.
Eu só não sei pra quê...
Beijo
Larinha, ando parecendo uma alminha penada...rss
Logo passa, amore.
bj
Zélia, minha amiga,
Eu entendo do que está falando.
Bendita poesia!
bjs
Ah ah!
Mário, seu sumido!
Queres matar-me de saudades?
:)
Fico feliz que tenha vindo.
Bjs
Daniel,
isso foi engraçado...
:)
bj
TonhO
Você jamais "só desenha"!
O que você faz é mais que desenho, mais que poesia, mais que crítica.
É Arte da melhor qualidade, querido!
Sou grata por compartilhar!
bj
Domigos,
Fico feliz de verdade que goste.
bj
Maravilhoso, linda Ross!
Devia existir mesmo uma pílula de esperança, outra de fé mas não existe. (Já procurei).Acredito que todos nós sejamos assim. Sentir essa agonia e não saber explicar, ontem pensava nisso. Sempre fui triste, mas de tanto me repreenderem, agora entrei para a fase do teatro.
"VIVER É UMA CIÊNCIA, MAS QUERER VIVER É A VERDADEIRA ARTE!"
Aplaudo de pé!
Beijos poetisa!
Mirze
"Viver é uma ciência, mas querer viver é a verdadeira arte."
Acho exatamente isso também. E captar a poesia da vida para transcrevê-la, além de arte, é uma terapia. E somos todos meios ciclotímicos, minha amiga. Felicidades são apenas momentos: ninguém é o tempo todo feliz, temos momentos felizes, como temos tristezas que passam.
Seu texto é muito bonito e reflexivo.
Beijo.
O mal das pessoas que ousam tocar a própria existência é que as vezes elas podem conseguir e não gostar muito do que encontra. Mas o importante é continuar versando da melhor forma possível.
Bjs que exaltam os melhores refrões!
Mirze, fico muito envaidecida pelos "aplausos", querida.
Um beijo
Celso, antes de responder fui atrás de saber o que era "ciclotímico"... rss
Está coberto de razão, querido.
bjs
Eraldo,
Tenho essa mania de olhar minha cara com lente de aumento, e sempre me assusto.
:(
Versejarei versos versáteis.
bj
"suave é viver só...
grande e nobre é:viver simplesmente" - Fernando Pessoa -
Pois viver é o verdadeiro desafio...
Silva
A esperança é um sentimento que prenuncia a derrota, a perda, a não obtenção do que se quer.
Só a vontade te pode devolver a vontade de viver. Isto é, precisas de ter força, auto-estima e convicção. A escrita pode ajudar. Diz tudo que tens dentro de ti a contrariar essa vontade de viver...
Querida amiga, vou fazer força, mas só tu te podes ajudar.
Boa semana, beijos.
Rossana
Não quero a faca
nem o queijo
quero a fome!
Lembrei de Adélia, ao te ler aqui, minha amiga!
Podes ter certeza que nunca morrerás de fome, tua poesia é pão que ainda divides conosco.
Um bj e um colinho ;)
Maravilhoso, Rossana, não há que não se leia em pelo menos algum trecho do poema. E siga versejando, pois fora da poesia não há salvação. A poesia é musica e musica é dança. Então dance, mesmo temendo imensamente a morte, dança sobre tua cova, e deixe a vida passar sob seus pés. Um beijo.
Silva, grata por vir.
bj
Nilsom,
lindas palavras de apoio.
Grata, querido.
Bj
Linda doutora,
Seu colinho é muito bem vindo.
Assim como suas palavras e sua poesia.
Bj enorme!
Dario,
até metafóricamente sou fora do ritmo.
Mas adorei a idéia!
bj
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