domingo, 26 de agosto de 2012

Arapuca




Não adianta mais
deixar rastros para que eu
não lhe perca
Nem pistas para que eu
não lhe esqueça
Nem migalhas para eu
não lhe perder de vista
Esse seu jogo
já perdeu a graça
E você perdeu a presa
ao se fingir de caça
e a se fazer de difícil
Ao me atar com linha fina
tão fácil de arrebentar
Pela arapuca tão frágil
e pela isca tão insípida
Percebi que com você
nem vale a pena
brincar...


sábado, 18 de agosto de 2012

Ode incorreto


blue - Nathan Sawaya


Eu gosto de gente
com defeito
Eu gosto dos diferentes
dos que se excedem
e dos imperfeitos
dos que vão além
e dos que se arriscam 
dos imprevisíveis
e dos inconsequentes
Gosto de gente
incoerente
que comete enganos
Gosto de humanos
Gosto dos esquisitos
e até dos irredimíveis

A perfeição é insípida.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012



Não me exalte
nem me
endeuse
De diva
só tenho
as duvidas
Sou uma
mulher
tão qualquer
Que de
tão meras
esperas
e precários
desejos...
Só ando a
almejar
um beijo.

sábado, 11 de agosto de 2012

Restos de pai



Do meu pai resta pouca coisa, por que coisas são apenas coisas que não permanecem mesmo. Até minhas lembranças são diluídas, difusas e minha saudade me engabela.
Eu ainda costumo fingir (mesmo depois de mais de dez anos), que qualquer hora eu vou lá em casa para “levar um lero” com meu velho e contar as novidades. É que ainda não deu tempo...
Tempo...
De meu pai, me resta quase nada a não ser tudo o que sou.
De meu pai não resta nada a não ser tudo.
Quem eu sou.
Eu sou sua paixão pelo conhecimento, pela música, pela poesia, pelos livros, pela arquitetura, pelos filmes, e obviamente pelo humor.
Eu sou também seus sonhos abatidos, sua desilusão e sua vontade de ir embora, de voltar para casa, onde quer que ela seja.
Esse tal de “dia dos pais” me é especialmente doloroso, pois quase sempre coincide com a data de sua partida.
Esforço-me para lembrar fatos da nossa vida, mas eu só me recordo de detalhes...
Lembro-me das suas mãos, enquanto escrevia seus textos, crônicas, livros, antes de datilografar. Páginas e páginas escritas com caneta “Bic” azul sobre papel almaço. 
Você tinha uma caligrafia bela e homogenia e o conteúdo vinha quase terminado, sem necessidade de grandes reparos. Então, quando terminava o texto, relia e trocava uma ou outra palavra, acertava um acento e pronto!
Nada de “copiar/colar”, nem de buscar sinônimos no “world”. Nada de “deletar”. Tudo isso era trançado em sua prodigiosa e criativa mente, antes de transcrever a caneta, e finalmente datilografar.
Lembro-me das suas mãos, pai. Do formato das unhas e dos dedos.
Outro dia eu vi sua mão nas mãos da minha irmã. Emocionei-me. Eram iguais. Já as minhas se parecem com as mãos da mamãe. 
Eu consigo me lembrar muito bem dos seus olhos azuis, tão lindos. Mas, mais que dos olhos, eu me lembro do seu olhar amoroso. O seu olhar também era azul, pai.
Azul intenso e brilhante, como o céu, como o mar, como Deus.
Lembro-me das suas sobrancelhas que embranqueceram e ficaram rebeldes conforme foi envelhecendo. Eu teimava em domá-las. Queria cortar, pentear, ao que você recusava veemente. Sei que não era por rabugice sua, apenas já não se importava mais com algumas coisas que para mim ainda eram relevantes.
Queria mantê-lo bonito, como se por algum instante tivesse deixado de sê-lo. Tão boba, eu...
Não quero me estender por aqui, pai, porque o que tivemos em vida é coisa grande demais para virar palavrório desprovido de significado.
É que escrevendo, é o único jeito que encontro de dizer - mais ou menos - o quanto sinto sua falta.
Queria aproveitar a ocasião para confessar que fiquei muito consternada quando você partiu. Achei que era muito cedo e fiquei ressentida achando que você desistiu da vida e de nós, e como eu o considerava dos mais sábios homens que conheci, comecei a cogitar que talvez a vida não valesse a pena ser vivida mesmo.
Pensei em desistir também.
Mas então pai, eu olhei para a minha filha, sua neta, e pensei que se eu juntasse a metade dela que sou eu, com a metade de mim que é você, teríamos uma misturinha boa, pela qual valia a pena viver.
E sabe de uma coisa, pai?  
Deu certo.
Ela não herdou a cor dos seus olhos, mas ela tem o seu olhar intensamente azulado para o mundo.
Ela ama a música e o teatro como você amava. E a dança...
Lembro que você adorava aqueles musicais antigos e queria que eu assistisse junto. Eu sempre arrumava uma desculpa por falta de tempo e/ou boa vontade: “O barco das ilusões”, “Cantando na chuva” “A noviça rebelde”, “Jailhouse Rock” que era seu preferido, entre tantas outras maravilhas que você gostava tanto.
Pois minha filha, gosta de assistir esses filmes desde pequena, entre outros da geração dela. Com ela eu assisti e adorei. Quanto tempo eu perdi...
Você foi, mas deixou sua parcela em cada um de nós.
Reflito que se são as lembranças artificiosas, o que restou de você em mim?
Restou o que aprendi!
Restou seu amor incondicional por todas as artes. Restou-me a consciência de que a Arte é nossa redenção. A arte é a loucura que nos mantém sãos: a música, o teatro, a literatura, a pintura, a arquitetura, a dança, e todas as maravilhosas formas de expressão humana, que faz de nós um pouco mais sagrados e divinos e menos animais.
Entretanto, a mais importante lição de vida que me deixou, pai, foi a de dar sempre o melhor de si em tudo o que se propunha. Tudo sempre bem feito, se dedicando com corpo e alma e da melhor forma possível, por menor que fosse.
Você sempre cuidou com tanto carinho dos detalhes e das pequeninas coisas que as tornava perfeitas. Assim o produto final de tudo o que fazia transformava-se em arte.
Esse é você, meu pai e o seu “resto” é muito mais do que eu poderia juntar de mim mesma a vida inteira.
Sou grata pelo tempo que o generoso Universo me consentiu passar ao seu lado.
Você foi perfeito e brilhantemente azul.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012



Abarrotada
de imprecações
e impropérios
Desalmada
e armada
até os dentes
perante 
os frágeis 
vocábulos
Antevejo
a calamidade
causada
por uma
avalanche
de palavras
mal ditas
[virgula]
sabiamente
engulo
as letras
e coloco
um ponto
final.