quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Debandada



Era noite alta
quando se foram
Escapuliram-me 
todas as palavras
Adormecida
ingenuamente
eu as cria cativas
Meus vocábulos
sonâmbulos
dispersaram-se
Minha alma
amanheceu

despoemada...


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Tecendo...

Alyson Shotz

Enquanto te espero
me entretenho
Apronto-me
para o encontro
Enterneço
Adorno-me
das delicadezas
e femininas
miudezas
Eu me preparo
Não esqueço
o perfume
e o faro
Nem as pérolas
e o batom carmim
Espero que repares
nos detalhes
do que teço
para enredar-te
em minha teia de rendas
e em meus lençóis
de cetim...

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Festa

Hu Jundi

Meus amigos
que não
cultivo
a contento
cujo convívio
anda raro
por falta
de cuidado
e tempo
Pois ando eu
com ouvidos
moucos
para outros
gemidos
que não os meus
Ah queridos
haja indulgência
comigo
até que um alento
venha enfim
Mas enquanto
o pesar
não passa
e minha alegria
anda escassa
façam a festa
por mim!

domingo, 27 de novembro de 2011

repetindo...


Parece-me
que escrevo
continuamente
o mesmo poema
Troco palavras
alterno vírgulas
pontos e adjetivos
E vivo assim
consumindo
sempre 
a mesma pena
Altero tons
mudo cenas
mas repito 
eternamente
o mesmo ato
parindo sempre 
o mesmo feto
sem sorte
Não há arte
em ser poeta 
do mesmo
tema...

@Rossana Masiero

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pedido

Paul Bond

Mantenhas-me longe
de maneira tal
que não possa
perder-te mais
do que jamais tive

Mantenhas-te longe
de mim
assim como nuvem
que se não se alcança

Fumaça

Vapor intangível
que dança
e que passa

Inaccessível

Fiquemos longe
todos os dias
que restam
de nossa poesia

Pela sanidade
e sobrevivência
dos versos meus

E peço mais

Tenhas a decência
de ao menos fingir
que és infeliz.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Fase afásica

by Coryanne Sharer

...mas tem horas
que eu desconsolo
desconcentro
desconcerto
e desalento
Eu desgoverno
e descompenso
Até que eu me desaperto
e o desconforto
desanda desatento
Então
eu recomeço...

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Por um fio


Ser poeta
é só um estado
de caminhar descalço
em pedregulhos
É escolher 
andar por vias tortas
e apinhadas de entulhos
pelo deleite de se condoer
É estar continuamente
quase a morrer
É dançar perto do abismo
Saltitar em precipícios
bem na beira da soleira
do despenhadeiro
É só uma condição
de  gostar de estar
por um fio
de pisar na fronteira
de viver no limiar...

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Lições

Gale Franey

Lucidez lúdica
Inconfessável transbordamento
de essências transparentes
que benevolente me enobrece
Desobriga-me de dedicações
que por si se estabelecem
por condutas afetuosas e bilaterais
Desembota-me os sentidos
Acera-me a libido
Amplia horizontes meus
Eu aprendo a ser melhor...

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Artifícios


Vladimir Clavijo


Enfatizo os fardos
meus
para que não
me seja delegado
outros mais que não
sustento carregar
Queixo-me para
dissimular
que dói tanto
o que até dói
de fato
E grito alto
Destaco as aflições
[intenção manifesta]
para desviar a atenção
da minha exata feição
que não tenho cara
de mostrar...

terça-feira, 11 de outubro de 2011

das faltas


Logo eu
que me achava
imune à intempéries
Encontro-me
sujeita à minúcias
melindres e preguiças
Suscetível e refém
de empáfias
fatuidades
e antipatias
Náufraga
da solidão
ando absurdamente
carente
de empatias.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ilusão

Imagem do google

Se pensas
que sou de verdade
Não sabes
da missa a metade
da instável farsa
que sou
Um dia
serei descoberta
Discernirão
meu embuste
na vida
na arte
na fatalidade
Afasia
é só disfarce
Um engodo
revestido
de mistério
Alegoria
do improviso
Arquiteto
mágicas
Malabarista
de palavras
Pusilânime
concebo poema
para distrair-vos
de mim.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Desilusão


A mansidão
dissimulada
oculta a ferocidade
das minhas descrenças
Suspeito até
certa demência
na ausência
de convicção
Um furor avassala
a minha alma
e imagina-se
camuflado
por detrás da
aparente calma
dos olhos meus
Ninguém sabe
que queimo...

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Penas


Ando a escrever com drama
a tingir-me os dedos
com a mais encarnada
das penas
que rasgam versos
É assim mesmo
que sempre quis
Línguas de fogo
a lamber-me o peito
em infindáveis madrugadas
Dentes afiados
a arrancar-me postas
De tal modo
que eu verto versos
e me subverto evasiva
É assim mesmo
que eu gosto
Doendo até o fundo
do cerne de mim
Demorar-me a morrer
faz de mim quem sou
Imprecisão fortuita
acelera o compasso
do meu peito aflito
ao adentrar no palco
A urgência é minha cena
o gemido o idioma
E a minha caneta
é vermelha...

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Fome

Incauta
(de tanta falta)
tão pouco
lauta e farta
Eu desço do salto
Dispo-me
faminta
travo a luta
e de assalto
abocanho-te.
.
.
(Adiciono, para compartilhar da minha fome, a contribuição mais que bela de Rodrigo Passos)

Fome

Olhar, flora, gaiola, areia movediça.
Lábios sujos de uma boca de muitos sabores.
Erros de menina travessa que não gosta do não.
Mão, multidão, amor apócrifo de querer veloz.
Pele com medo de fora,
ave mal alimentada.
Tenda quente de vírgulas erradas.
Minhas últimas palavras,
sempre foram elas que mais me pertenceram.
Por que nunca Te disse?
Se sabia que dizendo, eu seria um só!

Rodrigo Passos




domingo, 11 de setembro de 2011

dúvida


Vai que esse poema
seja verso perturbado
e eu
equivocada
tento organizá-lo
Vai que esse apelo
seja vão de compreensão
enquanto arrisco
transcrevê-lo
Vai que esse ode
é anverso embaralhado
e torna-se avesso
E eu equivocada
e mal alocada
no universo
dos palavras
insisto no tema
das coisas
esquivas.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Receita para setembro


Chris Chun

Pegue alguns passarinhos
de todos os tamanhos
Escolha os bem ruidosos
e junte às borboletas
Mas não guarde
nem faça nada
Pegue sem segurar
capture com o olhar
Separe umas formiguinhas
e abelhas pequenininhas
Adquira piados
coaxos e zunidos
Ouça de olhos fechados
e alma escancarada
Despeje alguns sorrisos
Uma ou outra gargalhada
Aqueça o sol por primazia
até dourar o coração
Assopre uma brisa fresca
e reserve muitas cores
[despreze o gris]
Salpique pétalas de flores
e espera...
Já já está pronta
a primavera...

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Contradança

A.Brito – Bailado
http://paulo-intemporal.blogspot.com


Não quero mais dançar
conforme a música
a mesma e repetida melodia
Errarei de propósito
cada passo
Perderei por querer
a conta dos compassos
Vou corromper a coreografia
Vou alterar o ritmo
Vou trocar de par.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Pensando em Manoel de Barros

Simplesmente

Frank Gonzales

Só quero morder mangas maduras
e deixar escorrer o sumo mundo abaixo
ababalhar pelos cantos da boca sorridente
E na pequeninice das simplicidades
andarolar cantigas de caminheiro
Assear as mãos em rio barrento
esmagando as gramíneas das veredas
com pés bailarinos e descalçados
[Só quero recordar como era ser
antes de crescer e crescerem
os medos e os pusilânimes segredos]
Quero ir sem precisar de epifonemas
ou de indiscrições malfadadas
rir com inenarrável possança
e andar de mãos dadas
com quimeras coloridas
Especialmente no que diz respeito
aos os avoadeiros passarinhos
e as florideiras borboletas
no volitamento das belezuras
Só quero lembrar
como é ser feliz.
(Rossana Masiero)