domingo, 30 de janeiro de 2011

Ruínas

Casario em ruínas - Foto Rossana Masiero

Não é que eu queira morrer
Só não encontro encantos em ficar viva
Imobilizada e abalada pelos tempos
e temporais

Não é que eu não tenha motivos para viver
É que não são intensos o suficientes
para me impelir
à resistir

Mas ainda barganho comigo
E escondo o tanto
de terror que sinto
Minto...

Impossibilitada de fugir
e incapaz de compartilhar
Paraliso

Sem mais chances
Sem recomeços
Sem escolhas ou transformações
a solidão devorou-me
e cuspiu-me um espectro
diluído e misantropo
da menina que fui

Sou destroços

Sem perdão para minha tanta ingratidão
só queria me reconciliar com Deus...

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

no meu quintal

 
Foto do Google

            Li um dia desses, num livro de Rubem Alves (a quem dedico um amor incondicional), que “os homens são seres que perderam a confiança dos pássaros”.
          É bem verdade isso, mas não o meu bem-te-vi!
          Sim, eu tenho um bem-te-vi, que de fato não é meu pois ele é livre, mas preocupa-me como se fosse.
          E o tal - que habita os arredores do meu quintal - é muito abusado, e se não confia em mim, decerto que não demonstra, pois é visivelmente confiante de si mesmo. Não sei exatamente onde mora, pois deve ser um bon-vivant, sem residência fixa, nem nada.
          Ele é um cara, digo, um pássaro enturmado e deve ser o falastrão da turma de passarinhos que voa pelos fios da minha rua e visitam as árvores do meu quintal. Chama todo mundo pra conversa e faz isso bem alto, com seus outros amigos bem-te-vis, sem papas naquela linguinha que só quem é passarinho entende. Chega a ser uma afronta a sua cantoria descaradamente alta.
          Além de animadão, o meu bem-te-vi é corajoso!
          Explico: Tenho uma cadela vira-latas que faz de tudo para me agradar, e por algum motivo inexplicavelmente mórbido a bichinha achou de me presentear com pássaros mortos.
          Já tentei fazê-la entender (com conversas, gritos e até ameaça de chineladas), que não precisa fazer isso para me mimar. Aliás, que ela está terminantemente proibida de matar passarinhos!
          Fato é, que ela ignora solenemente minhas explicações e intimidações. Passa os dias pulando e correndo atrás de passarinhos e vez ou outra consegue pegar um pardal ou uma andorinha desavisada, depositando o coitadinho  sem vida orgulhosamente, na soleira da minha porta.
         Sei que não é por mal, mas fico consternada. Isso lá é homenagem que se faça?
         Se já não gosto de passarinho preso, que dirá morto...
         Mas o danadinho do bem-te-vi não se impressiona e provoca minha cadela ignorando seu talento de Diana. Desce gritando (leia-se “piando”) feliz, tira uma rasante e arremete, peralta. Corre riscos despropositados.
          Talvez não compreenda o perigo que é cair na boca de um cachorro adulador e sai por aí contando suas proezas para os outro da sua laia, conversando alto como lavadeiras.
          Azucrinam-me com tanto “piatório”, desdenhando a ameaça e a minha presença.
          Mas depois me dou conta da minha sorte, por ser uma pessoa que não intimida passarinhos.
          Tom Jobim se orgulharia.
          Rubem Alves também.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Carma

Foto poema - Rossana Masiero

sábado, 22 de janeiro de 2011

Do descaso

Viana do Castelo - Fotografia de Mário Lopes 


Não perca seu
tempo comigo
Faça-se de tonto
meu amigo
Sequer acolha
o meu chamado
Finja-se de morto
meu amado
Faça-se de rogado
Nem se importe
em enviar-me
um aceno
Nem ao menos
por carinho
Mesmo abatida
e consternada
Cavouco forças
no fundo de mim
E ainda que
constrangida
e com minha alma
de pernas quebradas
Eu caminho...


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Mina

Foto - Rossana Masiero

Só queria encontrar 
a mina da alegria
Que não fizesse mal 
ao fígado e ao coraçã
Que fosse real
e que não engordasse
Podia até ser ilegal
mas que não tirasse de mim
a consciência
Que levasse embora 
a angústia de viver
Queria ainda que 
fosse partilhável 
e que além de tudo
fosse grátis!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

passarinho


Não é que desafino
É que já me ofusca
o “sol a pino”
E dependurada
em pautas me depuro
e me costuro
ao vento vespertino
Meneio a coma
no compasso
em que passarinho
cantarei feliz...


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

P[r]IORIDADE

Foto: Wilson Junior

(Dialogando com Lara)

Eu também tenho uma velhinha
que nem é muito minha
Ela me adotou
e o destino a dotou
de raízes
que ela insiste em fincar
na existência
a resistente
Mesmo doendo
o que é possível doer
Sem poder fugir
ou crescer
Metade do tamanho
da mulher que foi
um dia

[Velhice é a grande piada
de Deus com a humanidade]


Decreptude
dize-me onde está a poesia?
Na repetição desumana
do dia a dia?
Nas costas arcadas?
Nas fraldas encharcadas?
Na pele enrugada?
No fedor e na solidão?
Olhos opacos e perdidos
num passado sem cor
espiando lembranças
expiando...
E um terço nas mãos
Sem esperas
nem sonhos
Só dor...
Prioridade é viver? 



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

da raiva

imagem do google


A raiva me move
Locomove
Promove
Comove

A raiva remove

A raiva me excita
Irrita-me
Não premedita
Reabilita

A raiva é esquisita

A raiva atormenta
Reinventa-me
Movimenta
Afugenta

A raiva é rabugenta

Não me redime
Repugna-me
Exprime-se
E vai
Esvai...
Mas enquanto está
fico forte!


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011


   Ainda juntos
         sem mais nada
                em comum

   a não ser a vida inteira e suas importâncias....
.
.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Condolências


Arenga de versos
Rituais dispersos
Oração sem terço
invocação
Uma pá enferrujada
cavouca o peito
ao som de ladainhas
Cantilenas
Lengalenga
Ofereçam-me pêsames
Pois que nada ressuscita
o viço da poesia.



Procession - by Tunde Afolayan