segunda-feira, 10 de maio de 2010

Sobre o pudor

Tela Mary Cassatt

Eita palavrinha feia: pudor.

Mas seus significados sempre permearam meu cerne desde menininha. Como casca. Não que goste de ser pudorenta, que é uma palavra ainda mais feia, até por não ser coisa que se escolha ser.

Pudor não é vergonha, tampouco hipocrisia. É um jeito etéreo, que a delicadeza nos empresta na meninice e que não se desveste como uma roupa que já não serve.

Pudor é uma segunda pele que vai amoldando-se ao nosso corpo quando crescemos, tomando a mesma forma, esticando e esticando. As vezes nos comprime.

O pudor reprime.

Outras vezes se rompe e é assim que sabemos que uma pessoa é despudorada. Quando ela é livre dessa película de compostura e reservas. Não sei se gosto de usar, mas em mim, o pudor me contém, apesar de desfiado, esburacado...

Eu tenho grande atração por gente assim despudorada, que fala dos enigmas do existir com descaramento, que age impulsionada apenas pelo prazer de haver e às vezes pelo prazer em abismar almas acanhadas como a minha, que se acabrunham fragilmente.

Tem coisas que minha suscetibilidade insiste em não aceitar. Melindro-me até hoje como uma menininha parva.

Tenho alma de consistência pastosa, dada a sabores agridoces que nunca se combinaram. Algo assim como vinagre e sorvete no mesmo pote, que não tenho precisão de detalhar.

Só quero mesmo é delinear vagamente do que eu sou feita para que seja possível eu me reconhecer nesse sabor travento.

E que nesse processo de reconhecimento de mim eu consiga ter compreensão de outros, por esse meu jeito. Acho que ando carente de aceitação, coisa que nunca me entusiasmou.

Talvez ande mesmo precisando de empatia, cumplicidade, ou apenas respeito

Meu pudor não é manha, pois que não sou sonsa, e as vezes finjo que não o tenho e ensaio um tipo assim arredio, para soltar um tanto das feras que abrigo e que tem garras retráteis, que vez ou outra me arranham querendo sair.

É só minha maneira de existir .

21 comentários:

Anônimo disse...

Rô,

Estou nu.

Preciso rever alguns conceitos...

Um beijo!

(queria dizer profundo, mas todo mundo já vai dizer isso mesmo, então deixa pra lá!)

Anônimo disse...

Para não ficar toda hora falando que "sei bem como é", rs, digo que adoro te ler, que vc escreve com leveza e que me toca a alma de um jeito... Não me importo se vc se mostra com pudor ou sem, pois sei que o faz com sentimento e de forma tão, tão bonita.

Beijo, mocinha.

Sueli Maia (Mai) disse...

Bem, amiga,
p'rá começar direi que todos os meus poros fizeram 'ola', enquanto eu lia esse texto que tem todos os superlativos ao coração humano.
.
Não há como questionar que é preciso ter coragem para ser assim - transparente como água de aquário.
Isto é ser de verdade e há algo melhor do que ser verdadeiro, nesse mundo de simulacros?
.
Isto para mim é lisura, Rossana.
E esta película delicada à qual te referes, eu chamaria emoção.
E quero ser assim, despudorada, sempre. Porque meus pudores me foram roubados ainda na infância. E sendo assim, tudo o que desejo é ser amorosa e aprender a equilibrar verdade com amor, o mais que eu puder. Mas a vida nos prega peças e deixa vulnerável quem é sensível e intensa.
.
Então registre que li emocionada o seu desabafo legítimo e saiba -
Meu carinho hoje é seu e meu abraço despudorado será hoje o mais respeitoso e atento porque eu também sei do que fala esse texto.

Um beijo, Rossana,
fica bem

Juan Moravagine Carneiro disse...

"...Todos os nossos atos...são inspirados pela natureza, e nõa há nenhum, seja de que espécie for, de que se possa enverdonhar-se..."

Dolmancê em (A Filosofia na Alcova), de Marquês de Sade!

Flavio Ferrari disse...

Pois é ... vivo abismando almas acanhadas, mas teu texto conseguiu me fazer refletir sobre quão agressivo isso pode ser para pessoas mais delicadas.
Tenho uma desculpa honesta: gosto de viver plenamente essa curta vida e gostaria que todos pudessem ter essa mesma opção. E para ter a opção é preciso chegar até a beira do abismo e descobrir se de fato é um abismo.
Dai minha "missão" de levar as pessoas até lá.
Ainda em minha defesa registro que nunca empurrei ninguém para o abismo, ainda que muitos tenham pulado para descobrir outros limites.
Nunca pensei em mim como despudorado, mas creio que não levaria mais do que 10 minutos de conversa para que você me classificasse nesse grupo.
E eu, bastante provavelmente, te instigaria a desafiar o teu pudor de forma derradeira, para descobrir se ele é teu ou lhe foi dado.
É assim que lido comigo mesmo.
E quando não consigo me desafiar, contrato um psicanalista dos bons.
Posso garantir que não é fácil.
Mas tem sido divertidamente enriquecedor.
Se eu morresse hoje, não teria deixado nada por fazer.
Bjs.

Unknown disse...

Que beleza, Ross!

Digo SIM! Tudo que é contrário à honestidade e decência!

Bravíssimo, amiga! Não somos obrigadas a deixar que nossa pele, poros e sentidos, se desfaçam do pudor que temos. Não precisamos externar esses sentimentos, embora muitas vezes, convivamos com pessoas e escritos [des]pudorados.

Junto-me à você.

Parabéns!

Beijos

Mirze

Batom e poesias disse...

Fouad.
É só viagem...

Vá pôr uma roupa, menino!
bjca

Batom e poesias disse...

De qualquer forma, Lara, eu sempre me exponho.
Mais do que devia...rss

Beijos de mimos, minha linda.

Batom e poesias disse...

Mai,
Está registrado e recebo amorosamente seu abraço despudorado.

Beijos, querida.

Batom e poesias disse...

Juan
Marquês de Sade não é lá um bom expemplo...rss
bjs

Batom e poesias disse...

Querido Flávio

Nunca achei seus posts despudorados. Adoro o seu bom-humor e o "Arguta" está entre meus blogs preferidos.

Ah, sim! Gosto muito de ser instigada.
bj

Batom e poesias disse...

Oi Mirse

Foi um momento filosófico...rss

Sou assim mesmo, mas tenho um demoninho despudorado aqui por dentro.
Bj carinhoso

Dilberto L. Rosa disse...

Que prosa poética sábia e bela, minha cara (pudorenta?! rs. realmente estranho... Prefiramos pudica, então, né?!): parabéns! Também tenho meus pudores, que ficam corados diante do mundo escancarado que anda nos cercando... Abração!

A.S. disse...

Na verdade o pudor muitas vezes nos oprime!
O que sentimos deve ser expresso em toda a sua plenitude!


Beijosss
AL

Batom e poesias disse...

Eu acho que você compreendeu muito bem, Dilberto.
Anda tudo muito explícito e falta a beleza dos mistérios...
Um beijo

Batom e poesias disse...

Comprime, reprime e oprime, Al.

Mas se sinto, me expresso, apesar dos pudores.

bj

Rodrigo Braga disse...

Texto maravilhoso, vou me ater em falar da dualidade que é algo que está implícito no texto. O pudor como qualquer outra coisa precisa sempre ser observado e avaliado. Seu texto tem isso de mais legal, faz refletir! Temos que estar sempre em vigília pois esse pudor (nunca tinha pensado como a palavra é feia) pode tender para o lado belo e pueril ou para o lado que "comprime e oprime".
Essa dualidade mora em todos os seres, mas o ato da reflexão sobre ela não. Termino lembrando a maravilhosa Clarice :

"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro."

Primeira Pessoa disse...

temos amigos em comum.
venho ao seu blog e gosto muito.

esses meus amigos tem bom gosto...rs

abração do
roberto.

Batom e poesias disse...

Rodrigo,
Você é demais.
Sou feliz por compreender.
Mesmo.
bjs

Batom e poesias disse...

Oi Robero
Os amigos dos meus amigos são meus amigos... ufa!
Entendeu?
Bem vindo e grata pelo elogio..rs
bj

Luiz Vaz disse...

Eu gostei demais desse texto, escrevi um pequeno parágrafo em forma de poesia sobre o pudor, e procurei uma imagem para postá-lo no facebook, caí aqui e li o poema é muito bonito o que está descrito aqui, você escreve muito bem, que lindos a sinceridade e o pudor.