Magritte - The false mirror
Acontece que ao contrário dos insones, não sou de passar as noites em claro..
Justifico que com essa minha alma ansiosa e sentimental, eu não consegui cruzar por essa vida incólume, portanto, recorro por precisão a alguns “recursos” para dormir.
Sintetizando o óbvio, durmo pesado, mas costumo acordar logo cedinho.
Que não pensem que é porque sou um tipo de pessoa madrugadora por gosto ou temperamento, é só que tenho um ouvido apurado e, depois que passa o “sono”, qualquer passarinho mais afoito me acorda. Ficar deitada a toa dói o corpo e atazana a mente.
Então me levanto, obviamente sem muita disposição. Confesso totalmente sem pudor, que não sou daquele tipo de pessoa que se levanta animadíssima. Tenho quase sempre, a parecença e o humor de um zumbi, sendo que meu corpo e cérebro demoram-se mais que o normal para se disporem a funcionar direito.
Aliás, uma parte de mim abomina gente muito feliz, logo de manhã cedo.
A manhã deve ser silenciosa e respeitar o ritmo e a pulsação do desabrochar de uma rosa. Lenta e suavemente, tal os meus neurônios macambúzios.
Pois hoje, acordei cedinho, com a chuva batendo na janela e resolvi escrever sobre algum assunto que ainda nem escolhi.
Gostaria de escrever sobre muitas coisas. De preferência um poema, mas falta-me a inspiração e talvez deva falar exatamente disso!
Do que essa louca (a inspiração, não eu!), comete quando aparece ou ausenta-se ao seu bel prazer.
Poderia escrever, por exemplo, sobre o enorme estrago emocional que acontece com os poetas e escritores em geral, quando as palavras resolvem brincar de esconde-esconde. Uma aflição indizível.
Para onde ela vai essa danada?
Viaja entre mentes e canetas aleatoriamente, ou se esconde caprichosa de tempos em tempos, para se fazer valorizada?
Sei que deve existir um lugar oculto, talvez sagrado...
Um esconderijo impossível de localizar e é lá que a poesia se esconde às vezes. Lá também se esconde a paz de espírito, entre muitas outras coisas.
Lá é a casa dos “clipes” de papel que somem para sempre da sua mesa, das tampinhas de canetas BIC desaparecidas e das faxineiras que sempre pensamos que foram abduzidas, já que se vão de vez, sem deixar vestígios.
É o sítio para onde vão todas as coisas que a gente nunca encontra, até que elas resolvam, por vontade própria, reaparecerem.
Desconfio que seja um “universo paralelo” e que desse lugar, essas coisas conseguem ver nossas aflições, e debochadas riem-se das nossas angústias.
Como se o avesso do espelho tivesse vida própria, e se divertisse com essa imagem reversa. A vida transforma-se num jogo dos sete erros, onde o que nos falta faz falta. É a dimensão irreal para onde tudo que não temos ciência da importância se esconde.
A “palavra” e a “inspiração” costumam fazer conluio e desaparecem sempre juntas, e justamente quando mais precisamos delas. Não é por maldade, mas por pura insolência, coisa que é inerente às palavras. Os poderes a elas conferidos fizeram-nas manhosas.
O sabiá que me acordou antes da hora e apesar da chuva é o culpado por esse texto que deve estar divertindo essa aldeia perversa da outra dimensão.
Devia voltar a dormir...