sábado, 30 de maio de 2009

abstração


Amordaço as rimas dos meus pensamentos, pois me atormentam torná-las proativas e entre a nuca e a testa elas persistem, tecendo um fio que interliga o coração embriagado ao embrião sutil do entendimento. Eu sou "noir", sou lua, solidão. 
Quero estender palavras no varal e esparramar a escrita no quintal, e olha eu de novo atrás de rimas. Socorro! Alguém me impeça, segurem minhas mãos e algemem-me depressa. Importa mesmo é exprimir o alumbro dessa vida, pois que viver é mesmo uma empreitada e eu recuso a escusa das feridas. 
Não é desculpa a dor, a dor é nada e eu não quero contar métrica, nem seguir ritos. 
Me forço a não pulsar no ritmo. 
A liberdade é tudo o que eu queria. 
Ser livre para doer em sustenido, pois que o bemol desce e eu quero arriba, seguir rio acima, arrebanhar os arcos coloridos no céu soturno do anoitecer. 
Se sou "noir" é só a noite que me anima, e se fosse um pássaro, que pássaro seria? Noturno. E se fosse poeta como quem escreveria? 
Decisão injusta já que sempre me apaixono e o fio que liga o timo aos neurônios retesa, me gela e me espanta, pois que são tão tantos os poetas que me afino que desafino tentando cantá-los juntos. 
São tantas formas, tantas fontes, tanto estímulo, que meu costume vagueia sem estilo, estuprado por anseios de palavras, poemas e raciocínio. Não sei mais se quero vodka ou cappuccino.
Talvez só a água enxágue a minha alma. 
Mas vou por aí com a mente ventilada e estoica sobrevivente. 
A louca mantendo a calma como quem ainda espera alguma coisa, por mais que seja deselegante a busca, insisto em achar que num momento incerto vai ocorrer o arrebato e a captura e serei eu a ser encontrada pela palavra minha. A minha língua! E a saliva será sorvida com o bom de tudo que a palavra tem. 
Seus sons, seus dons, seu profundo poder de seduzir e embevecer. 
O absinto do vocábulo. A garganta engole a palavra e lambe a língua-pátria, as letras arrumadas, organizadas então em frases adornadas. Enfeites. 
Me deixo ficar assim, olhos fechados, tocando a alma, chuleando os cortes imprecisos. É esse o meu deleite. Imaginar o quanto serei ignorada ou incompreendida. 
Inflamo, exclamo e busco em tudo o furor do intenso e do rebusco que o tanto de fundura impressa em mim agora. 
Espelho d'água, fonte, fenda escura. 
Escrevo, escrevo e nada mesmo interessa, nem impressiona o outro que procuro fora, e ainda habita em mim entre a nuca e a testa, meus pensamentos que já não refuto. 
Está dentro de mim o outro que procuro, está dentro de mim a palavra, a língua e o poema, mesmo quando recuso seus preceitos, e preconceituosa renuncio rebelde à sua rima.

10 comentários:

Rafael Sperling disse...

Muito bom, belos textos aqui no seu blog!
Se puder passa no meu.
Bjs

Unknown disse...

Rossana, emociona, seu texto.
Todo ele fala da incessante busca da palavra num ritmo frenético com a alma ou o eu lírico.
Destaquei essa parte com que me identifico:

"Ser livre para doer em sustenido, pois que o bemol desce e eu quero arriba, seguir rio acima, arrebanhar os arcos coloridos no céu soturno do anoitecer. "

Essa liberdade, é o ponto crucial do poema. E você entende e bem dela.

Beijos, amiga

Mirse

BAR DO BARDO disse...

texto metapoético por excelência - e essa impossibilidade de ter tantas influências, tantos autores e "difícil de cantá-los todos"... cara, é de uma preciosidade clichê, clichê porque eu vou escrever 'diamantina', ou seja, é o clichê mais inusitado da teoria literária terráquea. bom conhecer os seus textos. estou aprendendo...

Greice disse...

Uii que rítimo hein?!

"São tantas formas, tantas fontes, tanto estímulo, que meu costume vagueia sem estilo, estuprado por anseios de palavras, poemas e raciocínio"

Boas palavras, são sempre boas palavras!

Parabéns pelo post!

Beeeijo

R.Vinicius disse...

Rossana posso te dizer com certeza - És escritora, além de grande leitora, e poestisa. Percebo o fato como quem vê o quadro sendo pintado. E é uma honra.

Abraço,

R.Vinicius

j. monge disse...

De uma beleza infinita...

Vou mandar o link do teu blog para toda a minha lista de mails. Isto tem de ser partilhado!

Um beijo!

Amiga do Cafa disse...

Rossana,
estava inspiradíssima, hein, mulher ?
Sua busca é frenética. Compulsiva e impulsiva.
Suas palavras deslizam num pulsar querendo vida.
Muitas vezes a vodka se torna água. O Capuccino a companhia...e a água banha nossa alma !
Amordaçar a rima ? Não ! Deixe que venha a paixão.
Ps - Estou começando a acreditar que todos são Cafas mesmo...mas tem uns q conseguem se superar. ( risos )

PAULO MIRANDA (A Folha) disse...

Na verdade, o que vale é a falta de juízo ao escrever.
Metrado ou liberto...
É o que no momento se quer viver.

Whesley Fagliari disse...

Olá amiga Rossana,

Vc será sempre bem vinda ao Sofia... Quando for! Espero que vc esteja bem e que tudo fique certo, como deve ser... Saudades tb!

Lindo texto, como todos os seus...

Luz e paz!

Com apreço,
Whesley

Flavio Ferrari disse...

Entre a nuca e a testa
teu brilhantismo
atesta