sexta-feira, 7 de agosto de 2009

sobre nada

A folha branca e virtual enfrenta-me arrogante. Desafia-me sarcástica e humilhante, reduzindo-me à mortalidade patética de quem não é nada se um anjo não insiste em soprar devaneios inspiradores a serem escritos. Poemas e palavras.
Ai, as palavras... Assuntos tantos, anseios tamanhos, receios maiores. Penso no mar e na maré. Penso. No vai e vem. Penso se o mesmo que vai será o mesmo que voltará. Penso que ando sem nada a dizer apesar de tantos sentimentos e momentos de revelações que me escapam quando por um segundo eu divago e disperso.
Hoje mesmo pensei na fé... Por alguns momentos senti que não mais acreditava. Fugiu-me a fé? Talvez não, mas certamente evadiu a sensação de conforto de quando se tem certeza. Ter fé é ter sensação da condição do amparo incontestável e é este sentimento que não me acuso agora.
Meu radar anda falho para tantas coisas. Tantas. Sou uma bússola quebrada, desorientada. Desnorteada é como me sinto. Descrente? Não Dele. Descrente de mim que ando pela vida cometendo enganos que se não são grandes vilezas, também não tão prontamente perdoáveis.
Ando cansada de esmurrar sacos de areia que me revidam na mesma proporção, mas sem nenhuma emoção, o que me transforma na única que me espanca.
Flagelo-me, cortando-me com a pena, sem pena. Pena!
Não entendo bem a vida e não compreendo Deus. Eu sinto um tanto de desprezo e amor pela humanidade e ando usando demais o adjetivo "comovida", pois é assim que tenho me sentido. Comovida! Com tudo!
Comove-me a velhice, comove-me a doença, comove-me a poesia, comove-me a humanidade com suas benevolências e suas barbáries. Ando comovida demais e envolvida de menos com a vida. Comovida e sem-i-vida, o que me faz quase morta. Quase.
Palavras não me comovem agora, mas poemas sim. A morte não me assusta, mas um poeta sim. Ando meio esquisita, gostando menos de pessoas reais e mais de pessoas virtuais. Ando rindo através de teclinhas (hahaha, kakaka, kkk rss, uashuahsua - essa última é mais difícil de escrever), entre outros recursos que utilizo no meu teclado, que tem sido leme que determina por onde navego nessa viagem de poesias, imagens e pessoas que nem conheço... E muitas delas, me enternecem.
Estou ganhando da folha branca, que incrédula me pergunta como me atrevo a escrever acerca de nada. Ela não sabe da beleza do vazio, pois o "nada" pode ser tão interessante, tão incondicionalmente preenchível que permite discorrer enfática sobre ele. O nada é a possibilidade total.
Sobre nada de fé, nada de foco, nada de estrada. É estar numa campina enorme. Estática, paralisada e não ver caminhos. Não existem trilhas que dê indícios para onde ir. Não se vê rastros nem pegadas que sinalize para onde seguir.
Então, sigo escrevendo assim só por pirraça. Porque, teimosa como sou, não vou deixar que uma folha branca e arrogante me acue e me amedronte.
Se não há caminhos demarcados posso ir, pois, para onde eu quiser. Todo rumo que eu seguir há de me levar a algum lugar.
Estou indo então, e quando chegar - se chegar - eu mando dizer como é lá.
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18 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Pontes entre a letra e a palavra e no ecrã ou na folha em branco - vazio - a palavra é tudo e nada. E a palavra parece ter vontade própria, ela é tinhosa, mimosa e as vezes faz doce, mesmo, Rossana.
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Eu aprendí a esperar que ela, aprendí a escrever com cuidado mas não sou 'letrada' minha formação é outra, não fiz Letras, mas cuido da palavra e deixo ela vir no fluxo, boiando nas águas feito um peixe e eu pesco, do jeito que ela quiser e vier, nua, crua, com ou sem fé, santa ou profana porque no silêncio, o som e a palavra pulam, saltam e eu a engulo e depois sopro - paidéia - e arriégua, depois que eu a engulo, eu sopro tudo que vier.
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Bom, eu não brigo com a palavra mas faço amor com ela. Levanto a saia da palavra, quebro a palavra em duas, tres, prá ver o que ela esconde, para conhecer seus significantes, mas brinco com ela feito uma moleca gaiata.
E depois, eu não me levo muito a sério e escrevo rascunhos e em minhas bobagens literárias, só há asneiras, sabe?

Abraços, Rossana, relaxa, cara.

Batom e poesias disse...

Vou tentar relaxar, Mai.
E procurar ver as coisas desse seu jeito moleque. Parar de brigar com as palavras e fazer amor com elas.

Eu adorei isso, e saiba, "letrada" ou não você faz literatura, de primeira categoria.

Gosto muitissimo do quê e como vc escreve.

Obrigada por vir
bjs

vieira calado disse...

Achei muito interessante o seu texto.

Cumprimentos

desde o outro lado do oceano.

Batom e poesias disse...

Agradeço os cumprimentos intercontinentais, e fico honrada que tenha achado interessante, caro poeta.

Um beijo

T@CITO/XANADU disse...

Não se pode, não se deve colocar amarras nas asas da inspiração.
A naturalidade é o que faz a diferença entre os semelhantes.
Tácito
PS - Interessante suas reflexões...
Bom fim de Semana.

Lara Amaral disse...

Nossa, soco no estômago esse. Fala coisas que muita gente sente e queria dizer. Eu mesma me identifiquei muito, principalmente na parte dos amigos virtuais, pois não há lugar em que eu me socialize mais do que aqui nos blogs de poesia. São lugares onde me encontro e acho que as pessoas escrevem tbm para me acalentar ou sofrer comigo. Adorei! Grande abraço, continue "escrevendo assim só por pirraça" =).

BAR DO BARDO disse...

Bom sábado, Rossana!

Comovente como vida... Acho que sou tão esquisito quanto você.

Engraçado, às vezes precisamos forçar a bic contra o papel (eu quase nunca escrevo de prima no PC), como uma lâmina no pescoço da musa... O sangue jorra, é poesia. A cor do sangue é vermelha. A cor da bic é azul.

Mas eu desejo que a sua persona se sinta melhor e que Deus a ilumine mais e mais, porque ela merece, assim, do nada.

Obrigado pelo texto.
Beijo!

Moacy Cirne disse...

Sobre nada.
Sobre o nada.
Sobre pós-nada.
Sobre o pós-nada.
Pirraça? Teimosa??
Possibilidade total.
Assim é: a vida, vida.

Abraços.

nina rizzi disse...

é sempre bom partidas. e partilhas. "bom mesmo é poder voltar quando quero"...

sim, pode-se, em lugar de "aqui jaz": viveu, viveu, viveu.

bom, rossana :)
beijo.

Unknown disse...

Oi Rossana!

Belíssimo! Se do nada viemos e para o nada partiremos, o NADA é o que ha de mais belo para versar, con ver sar, enfim...existe dentro de cada um de nós um "nada", um vácuo, que às vezes se manifeste.

Mas no meu parco entendimento, é do "nada" que nasce "tudo".

Parabéns!
Bom fim de semana!

Beijos

Mirse

Batom e poesias disse...

Grata por vir e comentar Tácito.
bjs

Batom e poesias disse...

Lara, somos todos muitos parecidos em nossos anseios, e é bom saber que nos identificamos.
beijinho

Batom e poesias disse...

Esquisitos, Prof.?
Eu que achava que éramos apenas(?) loucos!

Eu gosto muito de você, assim do nada...
bjs

Batom e poesias disse...

Moacy. Fizeste um poema da minha pirraça. Vida, viva, poesia.
Grata!
bjs

Batom e poesias disse...

Melhor ainda, Nina se for: Aqui jazz, blue, samba, etc.

Bjcas, querida.

Batom e poesias disse...

Mirsuda(acho uma graça quando a Nina te chama assim), tudo é muito confuso as vezes, e eu saio aí fazendo guerra com o papel, e não é que vez por outra ocorre um "big bang"?

bjs

Mário Lopes disse...

Nesse campo branco em frente
as aves beberiam a frescura da manhã
que escorre das árvores
e as crianças correriam no monte
ardendo atrás do sol
porque não conhecem outro mar
e tu serias os olhos de água
de regatos claros sem foz
que ainda procuram as fontes
porque te faltam as palavras certas
que se iluminam ao nascer do dia
de tanto roubarem a luz da noite
como flores de alma torturada,
sabe que ninguém te dará a resposta
e que só tens um destino:
despe-te e atravessa o rio
mesmo que não vislumbres sequer
a outra margem de ti.




Um beijo luminoso para ti Rossana, da luz com que as tuas palavras nos iluminam a alma.

Batom e poesias disse...

Grata pelo carinho, Mário.
bjs luminosos