domingo, 18 de julho de 2010

alma perdida

Broken doll - Amanda Cass


Eu me perdi da minha alma há algum tempo.

Tenho para mim, que há muito tempo eu não sou mais eu.

Minha alma fugiu em algum momento quando estava distraída e já era tarde quando percebi.

Perplexa e confusa, eu a persigo por ai. Ando em busca de pistas, pegadas. Ponho-me em perigo, exponho-me, arrisco diante de qualquer vestígio de seu paradeiro, mas nada me dá indícios de que ela ainda habita em mim.

Não me sinto mais dona de mim, nem da minha casa, nem mesmo do meu querer. O querer perdeu-se com a alma minha.

Ela saiu sutil e discretamente. Desistiu de mim por certo, de tanto eu fazer concessões. Permissível, fui consentindo que meus desejos adormecessem e meu querer anestesiasse em prol do querer de outros.

Não foi por bondade, nem caridade. Apesar de hospedar um espírito pacífico, minha permissividade vem da indolência e de acomodação, mais que da benevolência.

Tenho a exata ciência disso.

Fui deixando de fazer as coisas que me davam alegria e que hoje nem sei mais se gosto.

Já faz tempo que não contemplo o nascer do sol, nem caminho por aí sem rumo, nem pedalo minha bicicleta sob o sol. Nem sei se ainda sei andar de bicicleta.

Tempo que não tomo um porre ou um grande sorvete, não danço, não canto bem alto no chuveiro, que não brinco de ser criança, que não aproveito de verdade a experiência de estar viva

Tempo faz que não sou muito, muito feliz, mesmo por alguns instantes, que não faço uma viagem, que não beijo com paixão, que não sou amimada só um pouquinho.

Essa nostalgia tem parecença com egoísmo, eu sei. Egocentrismo. Mas tenho a precisão urgente de ser contente um pouco, pois que os tempos de agora, são tão sem entusiasmo, que me apavora desgostar de vez de ficar viva.

Preciso achar a “ânima”.

Deve ela estar escondida cá em mim, pois que uma alma não há que deixar um corpo que ainda vive. Isso é certo!

Escarafuncho na minha memória o momento que a “vi” pela última vez, mas não me vem à lembrança. Presumo que tenha ficado lá atrás com minhas bonequinhas da infância ou entre os cadernos de adolescência, ou no primeiro dia de aula, ou quem sabe no primeiro beijo de amor. Mas a gente tem mania de apurar lembranças, só para ter ilusão de que já foi feliz, mesmo sem ter sido.

Sei que é a investigação mais solitária da minha existência. Um momento especialmente nevrálgico

Não há como obter ajuda para encontrar a alma que está dentro de mim.

Quem mais poderia dela saber? Supondo que a encontre, como resgatá-la?

Qual a isca que se usa para atrair e capturar uma alma fugidia?

20 comentários:

Ribeiro Pedreira disse...

reconstruir-se é preciso. retomar os desejos do passado, adaptar ao presente e sorrir, a alma fugida, certamente não resistirá.
bjs!

Amar sem sofrer na Adolescência disse...

Às vezes sinto esta sensação de ausência de alma, como se fosse possível, mas é como se ela estivesse saído por alguns instantes e não percebeu o tempo passar. Nos deixa desprovidas de sua presença, mas ela sempre volta e retoma o seu posto e, arrependida, se penitencia e fica anos a fio sem se ausentar. Adorei!!!
Bjs

Anônimo disse...

querida, tem toda razão a alma sempre fica escapulindo, façamos o seguinte: vou encher o pneu da minha bicicleta, botar óleo na corrente, testar os freios e a gente vai dar uma volta atrás dela se não a encontrarmos não faz mal, toda busca é um ampliarsse, uma hora ela volta é como os gatos ;)

beijos
Ge

Estela disse...

Olá Rossana,
Ando sumida, mas é que eu estava preparando um novo blog.
Vim te convidar para conhecer o "Aroma nosso de cada dia", neste endereço: http://estela-aromanossodecadadia.blogspot.com/
Ficarei Feliz com a sua presença.
Bjs.

byTONHO disse...



"Ela desghostou-se de si"?

Desorientada e desghostosa...

Soul kiss!

Wania disse...

Rossana querida


Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos. Travessia de Fernando Pessoa



Talvez perder a Alma seja a sensação de nudez que experimenta todo aquele que não tem medo de fazer sua Travessia interior em busca do descobrir-se, em busca das novas roupas, dos novos caminhos...



Tua escrita é sempre linda e cheia de questionamentos, que tb são de todos àqueles que não querem ficar à margem de si mesmos.

Bjão imeeeeenso, minha amiga!

cristinasiqueira disse...

Oi Rossana,

Esta alma aventureira que te deixa de bobeira sem saber prá onde ir,qual o sentido?-Por onde começar a procurá-la?

Este processo que vc relata com verdade e emoção anda acontecendo com muitas pessoas...perda do encanto.

Mergulhe neste nada sem medo e se prepare para o novo que virá.

Com amor,

Cris

Unknown disse...

interessante inflexão, alma minha desta vida descontente,

beijo

Solange Maia disse...

Rossana querida,

se pudesse corria aí e te dava um abraço apertado, silencioso, mas cheio de vida, para que seguisse adiante nessa busca breve da alegria do porvir...

costumo dizer que~a felicidade é a emenda das pequenas alegrias, dessas que passam quase despercebidas, que sentimos ao ouvir uma linda canção, ao ver alguém sorrir escancaradamente, ao inspirar profundamente, um encontro, ou qualquer coisa assim...

emende essas alegrias...
a alma volta...
sei que volta...

beijo carinhoso no coração...

Unknown disse...

Linda Ross!

Juro que se eu achar sua alma, a reconhecerei e te ligo.

Falando sério, isso acontece. Sou mais você, que sua alma. Quem será que fez essa bela reflexão?

Curta muito a vida, minha amiga bela! Você PODE!

Beijos

Mirze

Anônimo disse...

Queria dar ctrl c + cotrl v no texto todo, como não dá, escolhi isso: "Não foi por bondade, nem caridade. Apesar de hospedar um espírito pacífico, minha permissividade vem da indolência e de acomodação, mais que da benevolência.

Tenho a exata ciência disso.

Fui deixando de fazer as coisas que me davam alegria e que hoje nem sei mais se gosto."

Entendo-te sempre, acredito, afinal, somos irmãs de alma, vc escreve por mim. Só venho aqui para me sentir em casa e me calar.

Beijos, te adoro.

MariaIvone disse...

Eu a acho em tudo aquilo que escreve.

Mimos

Mário Lopes disse...

Querida Rossana,

(Que Saramago, Andrade e Júdice
me perdoem. Aí vai:)


São imensas as almas fugidas,
são tantas que facilmente
as poderíamos imaginar sentadas
nos lugares mais solitários
do mundo,
como os bares de hotel
ou os cais de embarque.
Mas, não está provado
que sobrevivessem cá fora
ou que pudessem fugir sequer.
E assim voltamos a nós
-que é o caminho mais difícil
de encontrar-
e que não está provado, também,
que conduza ao exito,
mesmo que procedêssemos
de um modo diverso.
Mas, não há outro,
e sendo muito pouco
é tudo o que temos.
Porque não
-antes de fazermos qualquer coisa-
começar por nos interrogarmos:
porque pensamos como pensamos?
Talvez assim,
uma espécie de luz
nos começasse a iluminar,
como se o sol nascesse
dentro de nós
e a alma se banhasse nela
como se fosse o mar todo
da sua infância,
não encontrando razão nenhuma
para obrigar um anjo
a descer à terra
e arrastar as asas com ela
para irem beber um copo
de amargos pensamentos
na taberna mais próxima
do desencanto.






As águas da tua sensibilidade são incrivelmente límpidas, de uma transparência que até fere. Convidam a mergulhar. A mergulhar em nós próprios, diga-se. De tal modo a "verdade" do teu fundo nos parece próximo. Mas, como em todas as águas cristalinas, facilmente nos enganamos na profundidade. E voltamos à tona sem fôlego e respostas para te dar, minha querida poetisa. Contentêmo-nos em nelas nos banharmos, felizes por existirem.
Beijo doce.

Eraldo Paulino disse...

Meu eu interesseiro diz: portanto que você continue escrevendo coisas lindas assim, pode continuar sem alma.

Meu eu amigo do batom diz: portanto que você continue escrevendo coisas lindas assim, tenho certeza que sua alma não estará tão longe assim...

Bjs!

Anônimo disse...

Ei menina!

Por vezes também sinto esse descolamento, essa ausência de essência em tudo a nossa volta. Tudo é raso, insosso e cinza...

Mas olha:
o batom está guardado na gaveta!

É preciso tingir a vida de cores e formas, ainda que os primeiros desenhos não passem de garatujas!

E eu já tive provas suficientes pelas suas letras de que a sua alma lateja forte aí dentro e nem precisa de armadilhas para retornar. Faça um convite a ela e se permita...

Tô contigo!
Beijos...

(Você viu minha capacidade de diferenciar o eu lírico da própria autora né? rs... deixa baixo)

Léo Santos disse...

Muito bonito isso, guria! Pena eu não poder te ajudar muito, pois, também ando pelos cantos procurando a minha alma doidivanas!

Um abraço!

Juan Moravagine Carneiro disse...

Este estranhamento também me rodeia...

Ele acaba por me alimentar, para o bem ou para o mal...

abraço e agradecido pela visita ao Rembrandt

Rodrigo Braga disse...

A alma por vezes me parece algo completamente alheia ao corpo. Normal que por vezes ela dê suas voltinhas, mas que jamais esqueça sua morada.

Bjo!

Cris de Souza disse...

Maravilha deparar com tua poesia!

Deu vontade de renascer...
(Acaso eu encontre a minha, supeito que dê meia-volta)

Anônimo disse...

Nossa....para que fui eu quem ditei essas palavras...Não por estarem tão bem escritas...mas por descrever tão bem e intimamente como me sinto.
Abraços
Fatiminha